quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Shame on Mi & Nat: the series (episódio piloto)

Epígrafe
“Compreender um ao outro
É um jogo complicado
Pois quem engana não sabe
Se não estava enganado”
Fernando Pessoa

Qualquer fato, situação ou personagem que, de alguma forma, relacionem-se com a vida real são apenas coincidentes. Essa é uma obra de ficção. O que aparece aqui descrito é apenas invenção, trust me. Shame_on ‘the series’ tem todos os direitos reservados. Diga não à pirataria. Não compre DVD nos terminais. Vote em Obama. Recicle. Ajude a Filó.

Episódio I:

Personagens:

Moni-chan e Nat: protagonistas Shame_on. As duas moçoilas se conheceram na fábrica de giz, onde trabalhavam. Entre roxos, lilases e azuis, desenvolveu-se uma bonita amizade entre elas, baseada na cumplicidade e no compartilhar de temores similares e episódios vergonhosos.

Enxuta: rejeitador de caronas, albino brasileiro (suspeita-se que tenha trabalhado como dublê no filme "O Código da Vinci", obviamente, não para o papel do Tom Hanks!)



Participação especial, Eti: ex-colega de trabalho das meninas e grande amiga das mesmas, sugere o almoço que originou essa vergonhosa saga. É a Godfather (ou Godmother?!) do Shame on, aconselhando nossas protagonistas com sua sapiência ou eliminando aqueles que as importunam com ofertas que eles não podem recusar.

Trilha sonora: para ler ouvindo nossa música-tema, “Friday, I’m in Love”, interpretada pelo grupo inglês The Cure.

01.
- Meu Deus, como chegamos a esse ponto? Nós pedimos a carona na maior cara de pau para o Enxuta, para almoçarmos com a Eti, e não o convidamos para o almoço! E ainda fizemos o coitado do menino chegar atrasado no serviço, sob o risco de ele levar uma bronca da supervisora dele. Não acredito, que vergonha!

- Moni, calm down. Para começar, se o Enxuta é ‘coitado’, eu sou a Xuxa! Ele nunca nos deu carona na vida. Ai, mas justo na primeira vez que esse albino brasileiro dá a tal carona, a gente tinha de aprontar tudo isso? Ai que mico! Que vergonha suprema!

- Eu sei. Super... shame on us! Shame on us!

- Ainda mais para você, né, Moni…

Moni apenas suspira. As amigas, trabalhadoras da fábrica de giz (!)[1], planejavam um encontro com Eti, uma ex-operária da fábrica com quem mantinham amizade e esperavam reunir-se, embora, até então, sem sucesso. Um almoço era imprescindível, mas como a fábrica de giz praticamente tinha sua sede no Equador de tão afastada da civilização, ficava difícil conciliar as agendas e chegar a tempo para almoçar – independente do local combinado. A decisão, afinal, foi apelar para o Enxuta e uma caroninha esperta.

[1] Eu sei o que você está pensando, leitor. A palavra que você procura para classificar esse emprego é “putz!’


02. Enxuta

O Enxuta era um tipo único, “na dele“, como muitos poderiam supor. Não se sabe nada sobre sua infância na Albânia, digo, Brasil (esse negócio da Albânia é pura especulação, então vamos ignorar). O fato é que Enxuta nem sempre foi Enxuta, ele se desenvolveu como tal. O garoto, as meninas achavam, sofria de uma negação crônica em oferecer caronas, além de recusar-se a ser simpático, educado, enfim, humano.

Assim como tantos outros funcionários da fábrica de giz, Moni-chan e Nat, nossas lindas protagonistas, não tinham carro, patinete ou jeguinho próprios para chegar ao trabalho, sendo obrigadas a se submeterem ao transporte coletivo caótico da cidade (e a uma jornada de mais 4 horas dentro desses ônibus do mal). Ao fim de mais um expediente, lá estavam as meninas peregrinando mais que lhamas nos Andes até o ponto de ônibus. Vários colegas de trabalho passavam por elas em carangos possantes e nada de oferecer carona e pôr fim ao drama alheio. Uma das pessoas que dominava essa falta de cortesia, lógico, era o moço em questão, Enxuta.
Certo dia, Nat ficou furiosa ao ver que, mais uma vez, ele passava por elas desprezando a supremacia das quatro rodas (dele) sobre os quatro pés (delas) e refletiu sobre a situação, o que levou ao diálogo descrito a seguir:

- Pô, esse piá passa todo dia por nós e nada de nos ajudar. Quer saber, ele está devendo pra nós!

- É isso aí! - gritava Moni.

- Ai credo! Aliás, de tantas que ele já aprontou, ele nos deve... uma geladeira! Ou melhor... uma Enxuta!!!!

Moni cai na risada, mas a partir daí nasce nosso anti-herói.




03. The ride
Foi preciso apelar. Então, Nat teve de fazer o serviço, já que Moni não aguentaria a emoção de travar palavra com o dito. Assim, Nat “emboscou” o rapaz, no bom sentido, na ala do cafezinho. Ela quase o chamou pelo apelido, mas se concentrou e completou a missão: explicou o drama e pediu que ele levasse ela e sua amiga até as proximidades do restaurante para encontrarem Eti. O moço obviamente não esperava o pedido, pois fez uma cara de assustado que lembrou muito o cientista Beakman. Dois segundos depois, aparentemente a ideia não causou mais estranhamento, e Enxuta se mostrou muito empolgado e convidativo em levar nossas meninas aonde quer que elas fossem. Ele ficou tão emocionado que só faltou “agradecer meu pai, minha mãe, a Xuxa e a Sasha”. E olha que faltou pouco mesmo, porque até um beijinho para sua “new best friend” (Nat) ele mandou antes de sair da ala da cafeína e voltar ao serviço. Enfim, estava feito.

A carona é combinada e no dia marcado Enxuta aparece na portinhola do setor delas, o de controle de qualidade dos crayons, para buscá-las (ele trabalhava na área de divulgação dos produtos em pontos de venda espalhados pela cidade). Com a pochete no ombro, o rapaz guiava as meninas até o carro, o qual era limpinho e tinha um visual customizado, ornado com uma toalha para forrar o banco do motorista e personalizar o espaço. No rádio, só músicas pseudocaribenhas e com influências cubanas tocavam para alegrar o momento e embalavam o remelexo do moço.

Enxuta fez de tudo para que as meninas ficassem à vontade no automóvel dele, atitude tomada com surpresa por elas, que esperavam ver Sauron, do Senhor dos Anéis, brotar no painel do carro e pôr fim a tudo. Durante o trajeto, Moni comentou que queria fazer alguma coisa com lençóis, o que não foi bem compreendido e, por uma questão de decoro, prontamente ignorado, afinal essa é uma história familiar! (Disney, contrate-nos!) Durante o almoço, o charme do moço foi tal sobre nossas inocentes protagonistas que ele ganhara nova alcunha: Mr. Darcy[2].

[2] Ver ‘Orgulho e Preconceito’, de Jane Austen.


04. Nasce Shame_on

Quem dera, Moni, a vida fosse tal qual as novels by Jane Austen. No carro, Enxuta Darcy tentara encantá-la com seus dotes de cantor de Guitar Hero, mas Moni era forte e não se renderia fácil (ao menos, não até a carona de volta, he!). Chegaram ao destino. Despediram-se sem convidar o motorista a acompanhá-las. O horário combinado para a carona de volta era 13h15. Garoava e as meninas se apressaram para o tão esperado encontro com Eti.

O almoço foi maravilhoso, como esperado. As meninas usaram o horário praticamente para fazer terapia em grupo e o papo estava tão bom que logo já era necessário retornarem. Levantaram-se e, quando estavam indo embora, lembraram que não haviam pagado a conta. Vergonha, vergonha.




Obviamente, a fila estava quilométrica e mais lenta que caracol de jardim. Os minutos passavam como marteladas nas cabeças de Moni-chan e Nat, então muito atrasadas para o encontro com o Sr. Darcy tupiniquim. Conta paga, ufa, começa a chover torrencialmente, tipo passagem do furacão Katrina. Nossas protagonistas quase precisam do auxílio de um bote para chegar ao estacionamento, o que seria um empecilho a mais para as meninas, uma vez que a rua até o estacionamento era uma subida, mais inclinada do que as que os corredores enfrentam na São Silvestre. Estaria Enxuta esperando por elas? Estaria bravo? Se Moni pedisse, ele cantaria Sidney Magal?[3] Eram muitas as dúvidas e nenhuma certeza, a não ser a de que a chuva que caía molhava-as dos pés à cabeça. Chegaram, aproximaram-se e..., no estacionamento, lá estava ele. Uma luz brilhante parecia emanar dele tal qual na posse de D. Pedro II ou era impressão das heroínas? Não importa. Ele esperava por elas. Era tudo.

Desconcertadas, mil desculpas saíram das bocas das meninas, metralhando Enxuta com sentimentos de culpa e remorso. Ele, na melhor performance Mr. Darcy já vista (depois das feitas por Colin Firth e Matthew Macfadyen, yummy yummy ao quadrado!) disse apenas “tranquilo”, “entrem aí”. Molhadas e “pingando chuva”, entraram no carro molhando tudo. Nat pensou em usar a toalha presente no carro para se secar, mas pensou que isso podia piorar ainda mais a situação. Conteve-se.

Na saída do estacionamento, outro problema: la supervisora de Enxuta. Ele já estava atrasado para o trabalho do turno da tarde, longe da sede da fábrica de giz, e ela não podia sonhar que ele aprontara tal violação. Ele pisou no acelerador e correu. As meninas rolaram por entre os bancos do carro molhando tudo.

Ele dirigia perigosamente, mas parecia relax. Cantava, dançava e gritava palavras de ordem como “macarena” e “cucaracha”. As meninas olhavam com certo receio para tudo aquilo. O rapaz perguntou se elas estavam bem, já que o desconforto era evidente por parte delas. “Vocês estão bravas comigo?”, perguntou Enxuta na maior inocência, os olhos tremeluzentes, a boca entreaberta, a ansiedade estampada em seu rosto. Envergonhadas por não se mostrarem agradecidas o suficiente e ainda atrapalharem a vida do moço, as duas não conseguiram reagir decentemente e apenas gritaram no carro “Não, não, nãããããão, magiiiiina, que isso, que sol que faz lá fora, não?, a água que você usa pra atingir esse tom de loiro é oxigenada? Ai, puxa, você foi tão gentil que agora nós é que temos que assumir a ‘Síndrome do Caminhão do Faustão’ e te dar uma Enxuta, né?”, o que fez o menino sorrir – embora não tenha entendido bem essa última referência - e as meninas corar. Embaraçadas e sem graça, agora eram muito mais que isso, eram... shame on!

Alguns minutos depois, já com um atraso considerável, estavam de volta à fábrica de giz. Ele estaciona e elas saltam. Correm para bater o cartão; despedem-se. Elas se dirigem ao Pelourinho e se castigam repetidas vezes, ao som de gritos de ‘shame on us’, ‘shame on us’.
É assim que, após a volta ao trabalho, o diálogo que abre esse episódio takes place. Primeiro contato direto com Enxuta e ele se mostra um gentleman, enquanto as meninas agem como “piás de prédio”. A dor era ainda maior para Moni...

[3] EDITORA: Retire essa parte e amaldiçoo seus descendentes até a 7ª geração! = D


05. Juliet has a gun (flashback moment)

Numa sexta-feira, há muito tempo, Moni fora ao teatro e vira um dos atores mais promissores da nova geração. A atuação do garoto ofuscava a todos com seu brilhantismo, sua entrega e sua convicção na história que contava. Por um momento, Moni vira apenas os dois no teatro vazio – ela e ele, em perfeita sintonia. Ela descobrira o talento em sua forma bruta; ele vira nela a delicadeza esculpida em pura beleza.





O encantamento não teve prosseguimento – ao fim da peça, cada um seguiu um caminho, isolados, sozinhos e tristes. Até que, alguns dias depois, veio a surpresa. Moni foi apresentada ao novo funcionário da fábrica de giz e era... quem? Quem? Por um segundo, Moni achou que seu coraçãozinho não fosse aguentar. Enxuta estava diante dela!!! O choque foi tanto que ela ficou paralisada e só alguns minutos depois conseguiu correr atrás do ator daquela amável peça, dizendo-lhe muito vividamente pelos corredores que o conhecia (“eu sentiria saudades de você mesmo sem te conhecer”)[4]. Ao alcançá-lo, manifestou seu lado tiete, confessando ter assistido à peça dele e ter “se cativado pelo personagem” por ele interpretado.


Ele a olhou curioso. Enxuta era uma pessoa cheia de candura, mas que se ocupara demais com o trabalho, que o transformara em um ser frio com o passar dos dias. Assim, todo o carinho que havia entre Moni e Enxuta foi soterrado, pouco a pouco, no dia a dia do trabalho, das atribuições. A vida ficou entre eles.

[4] Esse trecho só seria mais Jane Austen se fosse a própria escrevendo, que coisa linda! Se ela tivesse internet no túmulo, aposto que acompanharia essas desventuras.


On the Next Shame_on:

Moni não ia desistir. Lutaria por esse amor, redimindo-se de seus erros.
Saberia ela como fazer isso? Seria uma de nossas protagonistas capaz de driblar as adversidades em prol do amor? Enxuta revelaria sua origem obscura e abandonaria a vida caribenha?
Não perca no próximo episódio de.... Shame on!

End Episode I

Texto: Nat, a Péssima (que na verdade é ótima, né!?)
Pesquisa histórica: Nat, a Péssima
Editora: Moni, a Terrível (relutante em publicar sem cortar ou modificar mais)
Ilustração: Moni, a Terrível

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